quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sonhar é preciso... (Salmo 44)


Sonhar a partir do que já foi vivido...
Não dá pra saber, obviamente, qual a idade de um salmista... não temos pistas suficientes. Mas como salmo é poesia, isso abre um leque de possibilidades para a imaginação. E quando ele começa sua oração dizendo a Deus que ouviu o que os pais contaram, então... eu posso imaginar, com toda licença poética, que se trata de um jovem! Ao menos, não é uma pessoa idosa!
A memória tem sido desprezada como fonte de sonhos, mas ela é fundamental na narrativa bíblica. É a partir do passado que desenhamos nossa identidade, que nos posicionamos no mundo. Ela é um referencial para nossas esperanças futuras. O passado pode nos fazer sonhar.
No entanto, cada vez mais, vemos as pessoas desprezando o passado. Dizendo que “lugar de coisas velhas é no museu” – uma frase famigerada para quem não sabe que um povo sem memória é um povo sem futuro. O museu serve, exatamente, para nos mostrar por onde ir e por onde não ir enquanto construímos nosso futuro, evitando os erros do passado e aprimorando seus acertos.
A memória também fala de testemunho – “nossos pais nos contaram” (v. 1). Este contar faz a diferença, constrói a história, forma a fé. É ouvindo o que Deus fez que começamos a sonhar com o que ele poderá fazer. Contar é fundamental e ouvir também. O sonho que vem do contar e do ouvir é resultado de um encontro de gerações neste salmo. É interessante a profecia que diz que os jovens terão sonhos e os velhos, visões. Geralmente esperamos o contrário. Aquele que é visionário é o impetuoso, o ousado e isso, de modo estereotipado, é um valor agregado ao jovem. O idoso, por sua experiência e (assim achamos) calma diante da vida, tem sonhos. Tem esperanças. Mas o encontro da visão dos idosos com os sonhos dos jovens cria o mundo novo do Reino de Deus. Jovens que sonham, que têm expectativas, estão sempre prontos a ouvir uma boa ideia, um bom conselho, venha de onde vier... Jovens firmados na palavra certamente não deixarão escapar a memória salvífica e o testemunho do que Deus já fez.

Sonhar, apesar das circunstâncias do presente
O momento atual do salmista e do seu povo não era dos melhores. A maior parte do salmo consiste em falar dessas circunstâncias, que apontam para uma calamidade nacional. Os inimigos estão ao redor e ele sabe que não pode vencê-los a partir de suas próprias forças, como ocorreu com seus pais no passado (v. 6 cf. v. 3).
Os momentos difíceis, para muita gente, é hora de fuga da realidade. O sonho, no contexto do salmo, não tem a ver com fuga, mas com livramento. Por isso, apesar das dificuldades, o salmista ressalta sua fidelidade à aliança e a Deus (v. 17-18). Somente esses versículos seriam suficientes para descrevermos uma ampla defesa para aqueles que gostam de dizer que os sofrimentos pelos quais passamos são resultado de nossa falta de fé ou de nossos pecados. Nem sempre, atesta o salmista, à guisa de Jó, outro personagem célebre por seu sofrimento e injustas acusações.
Ao contrário, o salmista diz que é justamente por causa de sua fé que eles, como nação, sofrem tais ataques (v. 20-22). Assim sendo, entram na galeria dos bem-aventurados de Mateus (5.10). Para se sonhar os sonhos de Deus, muitas vezes é preciso ir contra o senso comum, contra as ideias preconcebidas da sociedade, contra os princípios do mercado. É um sonho de resistência e de persistência. Não se pode desistir dele e é preciso defendê-lo dos ataques externos – a carne, o mundo, as forças espirituais... as circunstâncias ao redor não favorecem os sonhadores de Deus. Tudo o que eles almejam parece tão fora da realidade. Os valores que defendem parecem tão fora de moda... E eles precisam resistir e persistir...
A situação não era boa para o salmista e seus contemporâneos, mas todo o tom do salmo aponta para esta resistência do sonho que eles carregavam em si e sua busca pela fidelidade à aliança. Eles clamam a Deus para que os defenda (v.23-24). Aqui está o segredo da resistência: o sonho vem de Deus! Ele é a fonte da esperança que alimenta os sonhos. Por causa de sua origem, o sonho pode vencer as adversidades da vida!

Sonhar, por causa das possibilidades do futuro
Esta é a parte do salmo que nos resta imaginar... o texto termina com a nota de esperança, o pedido a Deus para que se levante e defenda seu povo. Este é a contribuição que temos a deixar hoje para a nossa geração e para as gerações futuras. A perspectiva de que já vivemos dias bons, que já experimentamos em nosso passado a presença tangível de Deus. Já recebemos livramentos. E ainda que nosso hoje nos pareça atemorizante, podemos aguardar a promessa de que o sonho se concretizará no futuro. Por isso, é importante seguir contando, seguir lembrando, seguir crendo...
O sonho, para nós, cristãos e cristãs hoje, não pode se limitar à nostalgia, que é a ideia de que o ontem foi melhor do que o hoje é. Nem escapismo, por achar que o futuro é que vai trazer as respostas que nos faltam no momento. O sonho é um caminho de fé que se percorre no dia a dia, com as âncoras do passado e as ferramentas do futuro. Por ser proveniente da perspectiva do reino, o sonho é, embora ainda não... como o Reino de Deus.
Por isso mesmo, ele exige compromisso, engajamento, um senso de pertencimento que nos liga a todos os que caminharam por estas trilhas... não pode ser vivido levianamente, nem moldado segundo nossos desejos ou construído por nossas forças. O sonho de Deus emana da aliança que temos com ele, essa mesma que fizeram os que viveram antes de nós e que temos de deixar para os que vierem depois, até que Cristo retorne!

Hideide Brito Torres

Um comentário:

  1. Acho que estou como o salmista, entretatanto, sem a mesma esperança sonhadora. Mas, vamos lá, né? Valeu pela meditação!

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