sábado, 11 de abril de 2015

Reflexões sobre o ministério pastoral (o meu, diga-se!)

O segundo domingo de abril é o dia do pastor e da pastora metodistas. Alguns e algumas de nós receberão homenagens, algum mimo e declarações de amor. Outros e outras estão lidando com conflitos em suas comunidades. Outros e outras tantos, desanimados. Alguns e algumas, aposentados, estarão fora dos holofotes.
Eu me lembro de que quando me formei no pré-teológico, nosso paraninfo foi o professor Clemir de Oliveira. Ele foi SD, pastor e professor em Belo Horizonte no distante ano de 1992 (1993?). Estava num momento de grande atuação no Vale do Aço. Ajudou muitíssimo a minha igreja em Itabira, pelo que o tenho sempre em grata e afável recordação... Ele escreveu um longo poema, no qual afirmava, várias vezes, "vale a pena ser pastor". E o declamou de modo esfuziante no dia de nossa formatura, na Igreja Metodista em Santa Tereza, Belo Horizonte. Não sei se ele ainda tem o tal poema. A frase me marcou.
Outro momento igualmente marcante foi o encontro com um colega, cuja esposa me convidou para pregar na Igreja em que ele pastoreava, à época, na Grande BH. Adentrei a sua sala e ele, sem me conhecer de antes, me disse, à queima-roupa: "Você acha que a igreja vai te valorizar? Ela vai te usar o quanto quiser e depois vai te jogar fora". Naquele dia dos meus distantes 22 anos de idade, eu decidi que jamais deixaria acontecer comigo o que houve com ele. Uma amargura tão grande que não me deixasse sair ou que imobilizasse meu ardente coração pastoral, ainda nascente.
Confesso, porém, que hoje entendo o sentimento do colega. Em parte, eu o tenho experimentado sim, para minha tristeza e autoconhecimento. Luto contra ele diariamente. A instituição sabe ser dura. Os membros sabem ser duros. Os líderes, então... A frase do meu professor inspirado me desafia, agora com um ponto de interrogação: Vale a pena ser pastor?
Quando fiquei em São Paulo para terminar meus estudos no jornalismo, procurei o então bispo Josué Adam Lazier para informar de minha intenção: "Ficarei mais dois anos aqui, para terminar o curso de jornalismo. Mas depois eu quero voltar para minha região. Não fico aqui um dia a mais, sequer".
Eu não sei se ele se lembra, mas eu sim... Ele me perguntou: "E se quando você voltar, não houver lugar para lhe nomear, o que vai fazer?" Ousada e aterrorizada, eu respondi: "Bem, eu sirvo a igreja porque eu amo a igreja, mas eu não preciso dela para viver. Se eu não for nomeada, continuarei servindo a Deus como sempre fiz. Acho que a igreja vai perder uma excelente pastora, porque acredito na minha vocação. Mas eu dei minha vida a Cristo, vou servi-lo como for. O que não fiz foi vender minha alma para a igreja. Eu sirvo por amor, não por obrigação".
Dois anos depois, voltamos, meu esposo e eu, nomeados seguindo a ordem: "Primeiro os presbíteros, depois os pastores, depois os evangelistas, depois os seminaristas do ano e, se sobrar lugar, vocês dois". Minhas comunidades pequenas e sofridas em Anchieta e São Conrado devem ainda hoje concordar que tudo o que fizemos em quatro anos foi mesmo por amor. Ao vir para Cataguases, Itamarati e Miraí, acho que seguimos na mesma toada. Amando. Sofrendo. Alegrando-nos. Repetindo que vale a pena... vale a pena...
Reinventamo-nos. Apesar das críticas pertinentes ao processo do discipulado em nossa igreja, começamos a trabalhar com grupos pequenos porque vimos e ouvimos, dentro de nossa história e fora dela, dentro do texto bíblico e em nossa realidade, a comprovação de que é uma estratégia viável. Em que pesem os problemas eclesiológicos, os desvios, a falta de uma orientação clara, nossos percalços e erros, começos e recomeços, seguimos. E sempre estamos nos perguntando se somos, acima de tudo, cristãos no que fazemos, pois ser metodista não é mais do que isso, conforme ensinou João Wesley. Estamos testando a nós mesmos nesse caminho, estudando, lendo, pesquisando, orando e lendo a Bíblia como sempre e nunca, pedindo a Deus misericórdia a cada passo. Cientes do desafio de ser pastor e pastora em tempos de pós-modernidade. E falo no plural porque minha experiência é conectada à do meu esposo, hoje pastor titular.
Era de praxe e ainda é que no caso de casais pastorais, apenas um dos dois seja remunerado. Praxe com a qual nunca concordei, mas à qual, no processo atual, é difícil escapar. Então fomos alternando, conforme um e outro pudessem conseguir outro emprego. E já fiz de tudo um pouco: assessoria de comunicação na igreja por um bom tempo, viajando quinze horas de ônibus de Vila Velha a São Paulo para fechar o Expositor Cristão; professora universitária; revisora de texto; diagramadora; professora de seminários pequenos de várias denominações diferentes; freelancer em jornal. Nos últimos dois anos, morando em outra cidade na semana e pastoreando em Cataguases aos sábados e domingos. E agora um pouco menos corrido em termos de estrada, uns trezentos quilômetros por semana, para fazer doutorado... mantendo as portas abertas até uma próxima rodada de itinerância. Tempo parcial, é? Salve-se quem puder... 
É dia do pastor e da pastora. Se vale a pena? Claro que vale, ou eu lhe digo que não estaria aqui. Vale porque o que eu disse a princípio, dos pequenos mimos, das declarações singelas de amor, dos testemunhos que a gente escuta na estrada, isso é o que segura a gente de verdade. Isso é o que faz a gente lembrar por que saiu de casa há tanto tempo. Nunca mais natal em família. Nunca mais aniversários dos irmãos e irmãs à roda da mesa. Nunca mais passeios no fim de semana. Ao mesmo tempo, mais um pouco disso tudo, só que com outro tipo de irmão.
Quando parece que tudo fica um pouco mais complicado, especialmente nesses dias em que a gente se despediu de tanta gente que começou este caminho no mesmo tempo que nós e hoje não está mais aqui, quando dá uma pontada funda de tristeza, a pergunta se recobre de validade: Vale a pena? Vale, porque, de alguma forma, acho que quando alguém sai não é porque deixou de valer, talvez apenas passe a valer daquele jeito mais primário, que valia antes da gente ter título, ter nome na carteirinha ou algo que o valha.
Vale porque outros e outras estão entrando e alguém precisa dizer a elas e eles que não adoeçam, que não se esqueçam de quem são agora, quando Deus os chama. Alguém para lhes dizer que nada será fácil, nem tranquilo, que a vida em si é um grande desafio. Que o maior problema não é fazer a igreja crescer, nem entregar a estatística em dia, nem visitar um doente, nem aconselhar um casal em crise. O maior problema será sempre manter-se em integridade, que é a qualidade de não negar sua humanidade, de pedir ajuda assim que tropeçar, de chorar a verdade mais profunda de seu próprio pecado e jamais, jamais ser hipócrita. O problema é sempre preservar um caráter - esse mesmo, inflamado e entusiasmado que a gente tem quando sai de casa para ir ao seminário. O resto se ajeita.
É coisa de encontrar um mentor ou mentora, é coisa de treinamento, coisa de prática, que o tempo traz. Mas caráter, não. Esse a gente tem que trabalhar nele todos os dias, com afinco, para não vender a alma. Nem à instituição, nem a si mesmo, nem a Satanás, mas rendê-la, graciosamente, ao Pastor que pastoreia as almas que se reconhecem doentes, clamam por cura e estendem-se, de igual modo gracioso, em busca de outras almas adoecidas por este mundão de meu Deus.
Vale a pena ser pastor, ser pastora, enquanto de igual modo valer a pena ser gente. Porque de anjos e ungidos, Deus me perdoe, o inferno anda bem cheio (e o mundo, também)!

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