sábado, 5 de novembro de 2016

Descanso em Deus (Salmo 62)


É sempre interessante a oposição que os salmos fazem entre o descansar em Deus (aparentemente como uma disposição do interior da pessoa) e a situação externa que é aflitiva. O salmo 62 é um bom exemplo. Todo o texto se foca na  tensão entre descanso e opressão. O salmista busca refúgio em Deus contra os inimigos externos que o acusam. A situação parece estar relacionada à cobrança de dívidas que oprimem o orante (v.10). Sua situação é delicada – ele parece estar perto de um colapso, ou empobrecido... A metáfora que usa para si mesmo é a do muro caído, da cerca vacilante (será que sua herança está em risco?).
Não sabemos exatamente do que se trata, mas é algo muito grave. Ao invés de se desesperar, porém, ele afirma estar descansando em Deus.

É difícil descansar
Somos resultado de uma cultura que afirma que o tempo ocioso é desperdício. Pessoas que trabalham 10, 15 horas ou mais por dia são valorizadas. Nossas férias são igualmente ocupadas com muitas passagens por lugares diferentes. Vemos pessoas como os monges ou freiras que se isolam para servir a Deus por meio da oração e da meditação como seres extravagantes, cuja atuação não serve de muita coisa no mundo prático. Será?
Não deve ser coincidência que o tema do descanso apareça tanto nessa época em que proliferam doenças relacionadas com o estresse. O que é a depressão, a síndrome do pânico, a insônia e outros males na vida de muita gente senão resultados de uma aceleração pecaminosa da vida? Para muita gente, apenas desacelerar já faria com que muitas doenças desaparecessem. Mas nos sentimos em grande culpa quando a enfermidade nos faz ficar uns dias de cama... Descansar em meio aos problemas, então, parece impossível.
Temos de admitir o quanto descansar é difícil. Achamos que precisamos fazer algo o tempo todo. E descansar não é apenas a ausência das tarefas. É possível estar assistindo a um filme na TV ou lendo um livro de piadas e ainda assim não estar descansando. A mente está sempre pensando na próxima coisa a ser feita. A ansiedade domina. O corpo continua tenso e rígido. Não dá para descansar assim.

Para descansar, temos de admitir que não estamos no controle de tudo (v.1-2)
O salmista diz que descansa em Deus, porque a salvação (representadas pelas imagens da rocha e da torre) vem apenas do Senhor. Gostamos de ter o controle das coisas em nossa vida. Checamos nosso status nas redes sociais, nosso extrato no banco e nossas contas sobre a mesa, às vezes várias vezes ao dia. Fazemos exames médicos tentando prever as doenças. Procuramos antecipar nossas reservas para uma aposentadoria segura. Mas se algo diverso disso acontece, nos sentimos como seres desprotegidos. Nossa vida vira de ponta a cabeça. Por quê? O controle da nossa vida é uma ilusão que nos é vendida a todo o tempo. Nossa rotina é prova disso. Achamos que fazer as mesmas coisas vai nos dar algum senso de saber o dia do amanhã. Mentimos a nós e nos enganamos, deixando de viver a vida do modo adequado, com medo de perder alguma coisa.
Ao reconhecer que a salvação vem de Deus, o salmista resgata uma ideia central: nosso Deus é poderoso para controlar as condições de nossa vida! E seu desejo amoroso de nos acolher e nos guardar sob suas asas precisa nos dar a segurança necessária para descansar, quando as tempestades estão fortemente arraigadas ao nosso derredor. No livro “Espiritualidade emocionalmente saudável", Peter Scazzero fala da necessidade de desacelerar para ouvir a Deus. Ele assevera veemente que nossas vidas podem consistir uma fraude, sempre na disposição de agradar aos outros, de fazer o que é melhor ou preencher modelos de perfeição, mas escondendo as dores mais profundas da nossa alma. Descansar em Deus é perder o controle da nossa vida para que Deus, que nos ama e nos acolhe profundamente, possa nos mostrar o que Ele anseia e espera de nós. Esse tipo de descanso, orienta ele, deve ser uma busca diária. A cada dia temos de desacelerar nossas emoções, nossa agenda, nosso interior para ouvir a Deus.

Descansar e confiar (v. 5-8)
No ano passado, atravessei um trecho de mar a bordo de um barquinho a motor pela primeira vez. A sensação de estar naquela minúscula embarcação diante de um mar tão grande era terrível. Chuviscos salgados por toda a parte (pois o dia estava nublado e chuvoso) diminuíam minha capacidade de enxergar, porque os óculos ficaram completamente molhados. Meu cunhado estava na direção do barco. Sua voz constante, dizendo que tudo estava bem, era a única garantia para mim. Acho que minha vergonha não foi maior porque havia outras pessoas tão medrosas quanto eu naquele barco! Finalmente chegamos. Não posso descrever a alegria de pisar na areia. Meus joelhos estavam meio bambos. Estava a salvo.
A vida não é muito diferente desse barco, não é? Estamos balançando ao sabor das crises econômicas, das doenças familiares, dos processos de mudança. Mas em meio a essa travessia, pode acontecer, como houve conosco, que possamos vislumbrar os golfinhos nadando na enseada! Sim, aprendi que bem no meio de muitas coisas difíceis, há certos oásis emocionais que Deus nos prepara. Se ao menos pudermos parar de bater os braços e pernas e nos quedar nos braços do sumo Salva-vidas, poderemos ver esses vislumbres de vida.
Para o salmista, a esperança, a rocha, a torre alta, a salvação e a honra estão em Deus. Que confiança tremenda quando percebemos que ele é o capitão do nosso barquinho. Em Cristo, ele navegou essas águas antes e pode nos levar em segurança!

Derramar o coração para encontrar refúgio (v.8)
Tenho aprendido, então, a duras penas, que descansar é mais um estado de alma do que uma postura física. Estar deitado numa rede ou à beira-mar, sem que o coração esteja ali, é só perder tempo. É interessante que a Bíblia fale tantas vezes de Deus como refúgio. Quantas coisas grandiosas aconteceram a pessoas que estavam escondidas de alguma ameaça! Foi por ser perseguido que Lutero conseguiu fazer sua tradução da Bíblia. Talvez se não houvesse um inimigo exterior, ele não conseguiria o isolamento suficiente para seus estudos! Talvez por isso boa parte dos escritores cristãos passe por momentos difíceis, turbulentos e precisem parar é que as melhores obras foram escritas!
Quem sabe o que pode acontecer se você e eu encontrarmos um refúgio, um lugar afastado dos barulhos ao nosso redor, um lugar quieto e silencioso tanto ao redor quanto dentro de nós mesmos, para ouvir a Deus? Não poderemos jamais descansar enquanto nosso coração estiver cheio, seja lá do que for. É preciso “derramar o coração”, esvaziá-lo de tantas coisas inúteis, para que o espaço seja preenchido por este refrigério divino. Há um lugar seguro em Deus, no qual podemos colocar todas as nossas defesas abaixo. Até mesmo um soldado, para dormir melhor, precisa tirar sua armadura. Se ele está no forte, se o general está no comando e lhe diz que ele está seguro, por que esse soldado não pode dormir em paz?

Respire fundo, tire um tempo do dia para estar em quietude diante de Deus. Descanse nele, deixando que ele trate essa ansiedade que impede sua vida de florescer. Ele descansou – por que não nós? Deveríamos fazer uma lista de quantas vezes o tema do descanso aparece na Bíblia e veríamos que descansar é tão ou mais importante do que trabalhar – mudemos nossa percepção. A pessoa descansada é diferente da preguiçosa. Ela consegue estabelecer prioridades, consegue diminuir o dano que pode vir dos ataques externos, possui equilíbrio e saúde emocional para lidar com o cotidiano e sabe, acima de tudo, que Deus é um cuidador amoroso que nada lhe deixará faltar. Ao fim do dia, pode dizer: “Em paz me deito e durmo bem”. Descansar em Deus é a tarefa para hoje!

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